domingo, 6 de dezembro de 2009

Ano especial

Filha,

Guardei este texto para quando você tivesse idade o suficiente para compreendê-lo. Hoje é o dia. O dia em que lhe contarei de um ano especial. Um ano mágico, de emoções impensáveis para seu pai. O ano em que você nasceu.

Deixe-me contar sobre alguns fatos marcantes de 2009. Foi o ano em que Michael Jackson morreu. Aquele que era negro, ficou branco e sempre foi um gênio. Aquele cujas músicas papai ouve de vez em quando. Você sabe. Por falar em gênio, um espécime dessas raras criaturas também virou papai em 2009. Aquele tenista suíço, o Roger Federer. Aquele que o papai sempre mostra os vídeos para tentar fazer você gostar de tênis da mesma forma que seu velho. As meninas dele são duas, gêmeas, Charlene Riva e Myla Rose. Nomes esquisitos, mas tudo bem, ele é gringo. Compostos como o seu, Julia Leticia. Sem acento como o seu, porque assim fica internacional. Em 2009, Federer venceu Wimbledon e se tornou o maior de todos, o recordista de Grand Slams.

Dois mil e nove também teve a posse de Barack Obama, primeiro presidente negro dos Estados Unidos, que assumiu com a missão de vencer a grave crise econômica iniciada naquele país. E a gripe suína, que matou muita gente ao redor do mundo e deixou papai apreensivo, pois mamãe estava no grupo de risco: as grávidas. Mas tudo deu certo e você nasceu cheia de saúde, no dia mais emocionante da minha vida.

Mas, por falar em negros superando barreiras, um, em especial, fez papai chorar em 2009. Não, não se preocupe. Foi choro de alegria, choro de uma emoção contida havia 17 anos. Andrade é o nome dele. Um ex-volante daquele Flamengo mágico que sequer me lembro, do início dos anos 80, porque era muito menino. Mas que tinha o maior de todos, Zico, o jogador de técnica, força de vontade e caráter que se transformou no ídolo do papai.

Andrade é símbolo da geração campeã do mundo, da geração de técnica incomparável, mas também de raça insuperável. Da geração responsável por tornar a já imensa torcida rubro-negra uma nação, a maior de todas. Andrade fez papai chorar porque, depois de 17 anos, no dia 6 de dezembro de 2009, levou o Flamengo ao topo do país. Andrade, homem humilde, verdadeiro nas palavras e no amor pelo clube, primeiro treinador negro campeão brasileiro. O primeiro, depois de 38 edições do torneio.

Ele fez do clube-emoção um clube campeão. Sem a estrutura dos rivais, sem a organização dos rivais. Mas com um coração... Coração que impulsionou o aposentado Petkovic, o craque sérvio, a driblar as desconfianças e, aos 37 anos, virar o maestro do time. Que deu suporte para Adriano, o atacante problemático, deixar de lado a depressão e ser o artilheiro do campeonato. Que fez Ronaldo Angelim superar o drama de quase perder a perna no início do ano para fazer o gol do título.

Um título de lições. Para o maior dos jogadores da época, Ronaldo. Que esnobou o Flamengo e abandonou o clube para vê-lo, de longe, levantar a taça. Para a Nike, que pagava pouco, pisou várias vezes na bola e deixou de ser a fornecedora de material esportivo do time. Para a Petrobras, estatal que exigia exclusividade, mas não dava o devido valor à marca Flamengo.


Lições que, espero, eu tenha conseguido lhe ensinar. Humildade, paixão, raça, determinação, orgulho. No Campeonato Brasileiro de 2009, o Flamengo deu uma aula. Que não serve apenas dentro de campo. Mas, também, para a vida.

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